Ansiedade é uma reação esperada diante de uma situação nova, diferente.
Não tem como não sentir. O que muda são as formas de lidar com ela, que em geral variam de acordo com a quantidade de suporte (interno e ambiental) que a pessoa dispõe.
No consultório, é comum que os pacientes cheguem com sofrimento relacionado às vivências de ansiedade.
Nesse caso, em geral a ansiedade está relacionada com a antecipação negativa em relação ao futuro, uma ameaça vaga à existência.
E também com a vivência de perdas subjetivas, como a perda do senso de estabilidade e controle. Além do medo de viver uma ruptura, de não dar conta.
O nível de ansiedade disfuncional aumenta conforme aumentam as sensações de insegurança e desconfiança. A falta de informações ou o acesso a informações falsas ou exageradas podem piorar a situação. Já a ansiedade existencial, adaptativa, aumenta conforme aumentam as sensações de pertencimento, acolhimento e esperança.
Ao realizar o atendimento:
Busque compreender de que forma e em qual contexto a ansiedade é vivenciada pela pessoa.
A apresentação da ansiedade varia entre as pessoas, mas os sintomas mais comuns incluem:
- No comportamento: hipervigilância, inquietação ou irritabilidade; Dificuldade para sentar e se sentir relaxado
- Na cognição: falta de concentração, pensamento acelerado ou pensamentos indesejados (negativos); Preocupações frequentes
- No corpo: fadiga ou suor, palpitações, sensação de tremor, tensão, tontura e sensação de desmaio, enjoo e vômito.
- No sistema respiratório: falta de ar ou respiração rápida
- No sono: insônia ou pesadelos
- No humor: ansiedade ou ataque de pânico
- Medo, apreensão como se algo muito ruim fosse acontecer ou como um aperto no estômago ou um frio na espinha
Esteja atento aos sintomas, mas não perca de vista a pessoa.
Preste atenção em como a pessoa explica seus sintomas e como responde a eles.
Como o paciente fala do seu sofrimento? Qual a teoria formulado por ele para explicar o que está acontecendo? A pessoa relaciona com alguma questão específica? Como ela reage na hora em que percebe os sintomas? Quais as estratégias que já têm utilizado? Essas estratégias são suficientes para reduzir a intensidade, a duração ou a frequência dos sintomas? Ou não? Em algum momento observou melhora?
É necessário avaliar a duração, frequência, intensidade dos sintomas e o impacto que eles provocam nas diferentes áreas da vida da pessoa.
Avalie o histórico tanto em relação ao quadro específico, quanto em relação a situações semelhantes. Fique atento à história pessoal e familiar e também aos projetos de vida. Observe o que ajudou em outras situações difíceis, inclusive, se já fez tratamentos anteriores.
Também é necessário conhecer o contexto no qual a ansiedade se expressa. O contexto atual é ansiogênico, ou seja, favorece o aparecimento da ansiedade. A Pandemia desencadeou uma vivência coletiva da ansiedade.
Mas há também uma vivência singular.
Essa avaliação ajuda a compreender se a apresentação da ansiedade está dentro do nível que pode ser considerado normal para aquela pessoa diante do contexto que ela está vivenciando. Ou se está exacerbada em um momento de crise ou já em uma forma patológica.
Normal < Crise < Patológico
A Ansiedade normal, é aquela existencial na qual o contato com o novo promove uma atualização em seus valores; e a expectativa em relação ao futuro provoca uma excitação, uma energização para lidar com a situação.
Na Ansiedade patológica, há um impasse em relação ao novo; a forma de reagir está cristalizada; ocorre um retraimento que leva à inquietação.
Em geral, os transtornos de ansiedade são caracterizados por sentimentos intensos de preocupação, ansiedade ou medo que interferem negativamente nas atividades diárias e repercutem em sofrimento psíquico significativo.
Acolhimento e a validação das reações emocionais apresentada pela pessoa.
É necessário acolher a expressão emocional, ter paciência e dar suporte: ficar junto com a pessoa. Não se deixe contaminar pela ansiedade e pela pressa da pessoa em se livrar da ansiedade.
É preciso buscar descobrir, junto com ela, qual o sentido da ansiedade. Para qual necessidade essa vivência de sofrimento está apontando.
Diferenciar as reações esperadas e os fatores de risco*.
*Fatores de risco: sintomas persistentes, ideação ou comportamento suicida, comprometimento significativo na rotina; histórico de transtorno mental, agudização de sintomas prévios, alterações significativas no sono, consumo de objetos ou substâncias como forma de anestesiar.
Construir uma hipótese diagnóstica: diferenciar os casos – ataque de pânico, transtornos de ansiedade, outras comorbidades.
Oferecer apoio
“Temos um plano e estamos juntos nessa”. Postura sem julgamento.
Organizar um plano para lidar com a situação:
Importante oferecer e deixar que saibam da rede de suporte. Mesmo que não utilizem, só o fato de saber que terão esse apoio se precisarem já amplia a sensação de segurança.
Plano para lidar com o momento de crise
Organize junto com o paciente um plano diante da falta de controle em relação a intensidade dos sintomas.
O foco é a redução dos sintomas e aumento da estabilidade emocional.
Quando os sintomas físicos estão mais agudos, ajude o paciente com aspectos práticos e resolutivos.
Ajude-o a sentar, ofereça água, respire junto, conte a respiração, utilize o tom de voz calmo e fale de forma tranquila que ele está passando por um pico, e que em breve os sintomas vão reduzir de intensidade.
**Caso as crises sejam frequentes e ou estejam trazendo muito prejuízo para a vida da pessoa, indique e incentive o paciente a realizar uma avaliação psiquiátrica. Existem estratégias farmacológicas que auxiliam muito o manejo da ansiedade.
Plano para o acompanhamento fora do momento de crise
Construa junto com paciente um plano a partir do relato dos sintomas.
O foco é a compreensão e ressignificação dos sintomas.
São abordados aspectos mais reflexivos e preventivos. É o momento de intervir mais no contexto e buscar a organização de novas formas de enfrentamento da situação. É hora de descobrir as mudanças que precisam ser feitas.
Trabalhe a partir do que a pessoa tem mais controle para o que é mais desconhecido e novo para ela.
Oriente sobre as reações que são esperadas diante da situação que está sendo vivenciada.
Saber que existem sintomas corporais desencadeados pela ansiedade, ajuda a pessoa a não se desesperar na hora em que eles aparecem. Ela sabe que eles não significam que ela vá morrer, ela pode ainda ter medo que isso aconteça, mas aos poucos fica mais fácil enfrentar os sintomas sem se desorganizar mais.
Em todos os momentos:
* Trabalhe a conexão com o presente
Ajude o paciente a manter o centramento no momento presente.
Focalize e forneça dados de realidade. Informações realistas aumentam o nível de segurança e consequentemente reduzem a ansiedade.
Com base no que está se preocupando? Em quais indícios está se baseando? Conhece alguém que esteja avaliando a situação de forma diferente? O que as pessoas de sua confiança tem lhe dito e feito? Qual a sua necessidade que não está sendo atendida?
Ajude o paciente a focar no que é possível e está sob seu domínio na situação.
Evite os “deverias”. Tente diminuir a tensão entre o presente e o futuro.
Como está sua rotina? Em quais momentos do dia se sente melhor? O que está fazendo nessas situações? Valorize o que ajuda e tente alterar o que atrapalha. Ex. ver notícias ou brincar com os filhos…
A rotina aumenta a sensação de controle.
Quando o discurso da pessoa está muito amplo, genérico, catastrófico, ajude a desmembrar em partes menores e a refletir e organizar o que é possível a partir daí.
Ajude o paciente a manter a atenção à respiração.
A respiração está sempre disponível para trazer a pessoa de volta para o momento presente e para si mesma.
Não somente no momento da crise, mas estimule que a pessoa tenha momentos específicos para prestar atenção à sua forma de respirar.
A respiração da ansiedade tende a ser mais curta e mais alta. É necessário treinar para ter condições de fazer uso quando precisar.
* Trabalhe a conexão com outras pessoas
Conheça a qualidade de suas relações, buscando identificar figuras de apoio.
O sentimento de pertença/compartilhamento de vida/identificação reduz sensação de isolamento e os sintomas de ansiedade.
Ninguém consegue viver sozinho, o suporte ambiental é essencial para o desenvolvimento e para a saúde.
O próprio atendimento psicológico tem potencial terapêutico, pois durante o atendimento a pessoa está em contato com outra (no caso o psicólogo) que vai vai transmitir uma sensação de segurança e de pertencimento.
Grupos de apoio ou mesmo o compartilhamento com pessoas de sua confiança também podem ajudar.
* Trabalhe a conexão consigo mesmo
Além do suporte ambiental, é preciso fortalecer o autossuporte. Descobrir o que a pessoa precisa para se sentir melhor consigo mesma, mais segura e confiante para enfrentar o que está por vir.
Incentive a pessoa a realizar ações de autocuidado. Não só focar em reduzir a ansiedade em si, mas construir um ambiente físico e psíquico que inspire bem estar.
Conheça sua história de vida e identifique as forças e virtudes da pessoa.
Na medida em que ela falar sobre isso com você, ela também estará ouvindo e pode se dar conta de características de si mesma que podem ajudá-la no momento presente.
Ajude a pessoa a conhecer suas próprias necessidades, seus valores e seu propósito. A clareza desses aspectos, facilita a avaliação e a organização dos recursos disponíveis para alcançar seus objetivos.
Não pense apenas em reduzir os sintomas, em reduzir os fatores de risco; mas ajude a pessoa a conhecer seus fatores de proteção e a encontrar formas de viver melhor.
Ajude a pessoa a utilizar sua vivência de ansiedade como uma oportunidade de crescimento.
Sugestão de leitura complementar:
Documento que transcreve, contextualiza e emite um consenso para América Latina, baseado nas recomendações da APA e da OMS, para enfrentar as conseqüências psicológicas da epidemia COVID-19.
https://www.sbponline.org.br/2020/03/enfrentamento-psicologico-do-covid-19-documento-consenso
Ênio Brito Pinto. A ansiedade e seus transtornos na visão de um gestalt-terapeuta (Capítulo 4). In: Quadros clínicos disfuncionais e Gestalt-terapia. Org. Lilian Meyer Frazão e Karina Okajima Fukumitsu. São Paulo: Summus. 2017.