Psicologia Hospitalar: como lidar com o luto e os rituais de despedida

As perdas e suas elaborações fazem parte do cotidiano já que ocorrem em todos os momentos do desenvolvimento humano: Separações, Evolução, Mudanças, Doenças, Morte…

As perdas no hospital se referem às:

  • PERDA DA SAÚDE: perda da condição de sadio; limitações físicas; capacidade de trabalhar;
  • INTERNAÇÃO: perda da rotina habitual, do convívio com o lar, familiares e amigos, da autonomia, da identidade;
  • CONSEQUÊNCIAS DO TRATAMENTO: efeitos colaterais, auto-imagem, mutilações, tratamentos invasivos, dor, desconforto, frustrações de expectativas e resultados;
  • MORTE

Geralmente quanto mais tarde no ciclo de vida, menor é o grau de estresse associado à morte e à doença grave. A morte numa idade mais avançada é considerada como um processo natural. Mas a idade não é o único preditor da forma como a pessoa e sua família vão lidar com essa perspectiva da morte, nem com a morte em si.

Embora sejam experiências universais serão vividas de forma particular por cada indivíduo.

A morte traz desafios adaptativos e exige uma reorganização imediata e a longo prazo, a nível pessoal e familiar.

O luto é um conjunto de reações a uma perda significativa, geralmente pela morte de alguém. Representa uma saída do estado de equilíbrio (crise). É um processo de elaboração e resolução de uma perda. Deverá ter um início, meio e fim. No processo normal, espera-se que o pesar (pensamentos e sentimentos complexos sobre a perda) vai decrescendo até tornar-se, progressivamente, uma lembrança.

Aspectos importantes a considerar quando uma pessoa está em cuidados paliativos e fim de vida:

  • É preciso avaliar as expectativas dos familiares relacionadas à evolução da doença; conhecimento do diagnóstico e prognóstico;  compreensão e nível de aceitação da possibilidade de morte iminente. 
  • Além disso, precisa-se estar atento às características das relações entre os familiares e o paciente; quais são as pessoas com quem o paciente tinha um vínculo mais significativo; pendências familiares que dificultem o luto antecipatório. 
  • Importam também as Circunstâncias da morte, as Circunstâncias do sistema de apoio do enlutado, A personalidade do enlutado, A personalidade da pessoa que morreu, O contexto cultural do enlutado, O contexto religioso e espiritual do enlutado, Outras crises ou situações de estresse na vida do enlutado, A experiência com os rituais de luto, crenças em relação à morte.

O processo de luto é iniciado no momento em que o diagnóstico de uma doença potencialmente letal é recebido, pelas perdas concretas e simbólicas que essa doença pode trazer para a pessoa e sua família.

As intervenções devem ser iniciadas precocemente nesse período conhecido como luto antecipatório e, assim, prevenindo o desenvolvimento de problemas no luto pós-morte.

Luto antecipatório: É o processo de luto que ocorre antes da morte, quando as perdas já estão sendo vividas.

  • Possíveis efeitos NEGATIVOS: conduzir a uma perda prematura; suscitar falta de esperança , diminuição nos cuidados e desejos conscientes ou

inconscientes.

  • Possíveis efeitos POSITIVOS: quando há oportunidade de uma prevenção primária de modo a evitar o luto complicado no pós-morte, Provocar um aumento em sentimentos como amor, esperança e nos, cuidados à pessoa que está morrendo. Favorecer a expressão dos sentimentos inerentes a esta perda pode ajudar bastante no processo de elaboração do luto após a morte. O adoecimento e a proximidade da morte podem trazer novos conteúdos para a elaboração pessoal, ajudando no auto-conhecimento e na transformação. Possibilidade de resolver questões pendentes. Reavaliação de valores, Autoconhecimento – reconhecendo atuações possíveis e limites, Divisão de responsabilidades, Expressão de sentimentos, Apoio mútuo.

Possibilidades de intervenção:

  • Acolhimento das emoções: Identificar e reconhecer as emoções e reações do enlutado, inclusive aceitar a expressão da culpa e raiva quando um morre e outro fica. 
  • Respeitar o estilo e costumes, símbolos e atos simbólicos significativos
  • Espaço para espontaneidade
  • Colocar limites a comportamentos inaceitáveis ou de risco, com calma e gentileza, mas firme
  • Respeitar a esperança
  • Lidar com os sintomas de stress
  • Auxiliar na “aceitação” da morte e na redefinição das questões não resolvidas

Quando há um certo nível de “aceitação”, orientação com relação às despedidas e para que, na medida do possível, as pessoas cujo vínculo fosse muito significativo com o paciente comparecessem ao hospital e realizassem este ritual.

O psicólogo pode permanecer no momento do ritual, se possível, necessário e autorizado/solicitado pelo familiar.

  • Oferecer apoio emocional. 
  • Respeitar o silêncio
  • Manter aproximação física, sem invadir
  • Gestos carinhosos /amparo físico
  • Ser continente para as ansiedades e fantasias. Considerar os aspectos sociais e espirituais. Do paciente e da família. Facilitar o ritual de despedida.
  • Não é preciso falar sobre a morte. O profissional ficará junto, ouvindo e deixando -se penetrar pelas palavras e pelos sentimentos.
  • Podemos incentivar que sejam realizados Agradecimentos, Pedidos de perdão, Outros pedidos.
  • Podemos incentivar a presença de outros familiares e a realização de homenagens
  • Além da parte emocional, o cognitivo também fica prejudicado
  • Fornecer informações claras e precisas, considerando a quantidade de informações que a pessoa pode absorver

Nós temos muitos pacientes, mas nós podemos ser a única referência de psicólogo para aquela pessoa. O hospital é nosso cotidiano, pra pessoa não é. O que fazemos importa.

De acordo com uma pesquisa realizada por Lisboa e Crepaldi sobre os rituais de despedida:  “os resultados mostraram que os familiares se despediram através da comunicação verbal e não-verbal, da religião, da “liberação”, do “estar junto”, sendo favoráveis à realização do ritual, pelo aprendizado, privilégio de participar e importância da orientação psicológica. São dificuldades: sentimentos de pena, tristeza, angústia e falta de coragem. Efeitos do ritual:

conforto, tranqüilidade, alívio da impotência, de culpas, da tristeza, ajuda na aceitação da morte, a aproximação entre os familiares e o paciente, abertura da comunicação, melhoria de condições para elaborar o luto, redefinição dos relacionamentos com a pessoa ainda em vida.”

Sugestão de leitura:

Márcia Lucrecia Lisboa, Maria Aparecida Crepaldi. RITUAL DE DESPEDIDA EM FAMILIARES DE PACIENTESCOM PROGNÓSTICO RESERVADO. Paidéia, 2003,13(25), 97-109.

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Psi. Maria Emília

Psi. Maria Emília

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Gestalt-terapia pelo Comunidade Gestáltica. Especialista em Saúde pela Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (Alta Complexidade HU/UFSC). Mestrado Profissional pela UFSC. Atua como psicóloga hospitalar e clínica.  Além de professora, preceptora de Residência e supervisora de estagiários e psicólogos já formados.​
Psi. Maria Emília

Psi. Maria Emília

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Gestalt-terapia pelo Comunidade Gestáltica. Especialista em Saúde pela Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (Alta Complexidade HU/UFSC). Mestrado Profissional pela UFSC. Atua como psicóloga hospitalar e clínica.  Além de professora, preceptora de Residência e supervisora de estagiários e psicólogos já formados.​

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