A primeira consulta em psicoterapia: O que fazer?

Para saber o que fazer, é necessário ter clareza do seu objetivo.

Lembre-se que a primeira consulta tem como principal objetivo que psicólogo e cliente/paciente se conheçam e possam decidir se vão dar continuidade à psicoterapia juntos ou não.

Para que essa decisão seja possível, você precisará avaliar a demanda de atendimento e também as suas condições pessoais para atendê-la.

Não é hora de mostrar serviço, é hora de servir, de se colocar à disposição do outro. Não é hora de parecer bom, mas de estar realmente presente.

Você também não precisa fazer pelo outro. Mas precisará dar o exemplo, você deve assumir a responsabilidade pelo ambiente e pelo início da relação. Você precisa ser guardião do campo, modular sua forma àquilo que o outro precisa. Construir um caminho entre objetividade e subjetividade.

Por exemplo:

Se o paciente é muito emotivo, e tem dificuldade em trazer alguns pontos concretos que você precisa saber, você deverá ser mais direto nas perguntas para avaliar essas questões. Mas se o paciente é muito racional e fala pouco sobre o que sente, você precisará fazer mais perguntas que o ajudem a perceber seu lado emocional.

Ou seja, é você quem vai ajudar a dar o tom para essas primeiras interações.

Seja respeitoso e acolhedor.

Lembre-se que não deve ter sido fácil para aquela pessoa chegar na sua frente.

Possivelmente também não vai estar sendo fácil para você também. Afinal, é comum que o primeiro atendimento gere ansiedade também no profissional. Já que não sabemos como será a pessoa que iremos atender, nem qual será o tema da busca pela terapia, nem se teremos condições de ajudá-la.

Você precisará suportar a ansiedade.

Lembre-se que não é a sua performance que importa aqui. Na hora do atendimento, tente se desconectar dos seus “deverias” ou “tenho que”. E busque, ao máximo, se conectar com a pessoa que está na sua frente.

O principal, nesse primeiro momento, é a qualidade da relação que vai se estabelecer entre vocês. Se a relação for boa, se “o santo bater”, a chance da psicoterapia funcionar é muito maior. 

Antes de mais nada, é importante oferecer acolhimento, apoio e esperança. Você precisará ajudar o paciente a se expressar e aumentar sua esperança de que o que está vivendo pode ser uma oportunidade de crescimento.

Depois, vocês poderão ver juntos o que fazer para melhorar a situação. Mas inicialmente a pessoa precisará encontrar uma outra pessoa, que esteja atenta e disponível.

Se apresente, explique o objetivo e como funcionará a sessão

O importante nesse ponto é dar o start para o diálogo, ver por onde o paciente quer começar e acompanhá-lo, sem perder de vista os seus objetivos para essa primeira consulta. 

Por exemplo: Olá, <nome do paciente>. Boa tarde! Eu me chamo Maria Emília, sou a psicóloga que vai te atender. Por favor, entre, sente-se e fique a vontade. Não sei se você já fez psicoterapia antes, mas eu gosto de aproveitar essa primeira consulta para nos conhecermos. Da minha parte, vou querer saber o motivo de você estar aqui e vou precisar entender o que você está precisando para avaliar se a psicoterapia é uma boa opção no seu caso e se eu terei condições de te ajudar. E também estou a disposição para esclarecer as dúvidas que você possa ter sobre mim, sobre a psicoterapia, sobre minha forma de trabalho… Por onde você prefere começar?

No decorrer do atendimento, você deve manter o foco em dois pontos:

1. Relação terapêutica 

Cuide da sua postura para que facilite a expressão emocional e o acolhimento do outro. 

Demonstre abertura para o que é dito e o que é expresso para além da fala: especialmente forma e emoção. Lembrem que as emoções são sinais de alerta sobre alguma coisa. 

Escute, deixe-se levar pelo caminho e ritmo do paciente. 

Tenha empatia e curiosidade.

Faça perguntas que indiquem sua disposição para conhecê-lo.

Trabalhe o diálogo, com reciprocidade. Escute, mas também fale, deixe-se conhecer. Isso não significa ficar falando de você mesmo. Mas sim, de deixar o outro acompanhar a forma como você pensa e como se sente. 

É preciso mostrar ao cliente como o compreende e como está tentando entender o que ele está vivendo e pedindo. 

Como se faz isso? Pelo comportamento verbal e não verbal. 

A ideia não é oferecer uma solução prática para o que ele está vivendo. Se apresente e apresente a terapia como um outro ponto de suporte possível para ajudá-lo a alcançar o que a mudança que deseja. 

Você será uma espécie de “colírio” e “cotonete” para o outro. A ideia é ajudá-lo a ver e ouvir melhor o que já está na sua frente, mas por alguma razão, sua percepção está enfraquecida.

2. Compreensão clínica 

Busque entender qual a demanda da pessoa e a expectativa dela com a terapia, verificando se é realista e compatível com a sua abordagem.

Identifique a QUEIXA principal: O que está faltando para aquela pessoa? O que ela precisa para se sentir melhor? 

Preste atenção no COMO e em qual CONTEXTO/HISTÓRICO a queixa/sintoma emerge. Identifique os recursos, qual o suporte que a pessoa tem. Valorize seu caminho até ali. 

Lembre-se que todo sintoma é uma tentativa primeira de adaptação do organismo.

São expressões de ajustamento criativo. No entanto, é necessário atenção ao nível de risco envolvido na demanda do paciente, qual a gravidade da queixa.

Faça perguntas que te ajudem a ampliar a compreensão do fenômeno em questão. Evite se prender em perguntas fechadas de anamnese ou questionários prontos. Estes recursos podem dar uma sensação de segurança, mas tem o risco em potencial de te afastar da pessoa.

Claro que isso tudo não é possível de compreender e avaliar apenas em uma consulta. Mas você já deve estar atento às pistas e aos sinais que o paciente apresenta. Até para explorar no decorrer das próximas sessões os principais pontos observados.

Cuidado com os conceitos e pressupostos.

Peça a descrição, como é tal coisa para ele.

Por exemplo: Você sabe o que é tristeza e eu também, mas a forma como cada um sente é diferente. Então pergunte: Como é para você? De que forma você sente a tristeza? O que te faz perceber a tristeza no seu corpo? Que outras sensações, sentimentos, pensamentos acompanham a sua tristeza? 

Precisamos compreender a singularidade, precisamos saber como é para o outro para podermos ajudar. 

Você deve avaliar a expectativa do paciente e se há demanda para psicoterapia.

Enquanto isso, precisamos deixar nossa atenção ser capturada pelos fenômenos que aparecem. A partir daí, veremos qual será o possível foco ou objetivo da terapia, sua frequência e se tem outras indicações que precisam ser feitas.

Você deve avaliar se você tem a competência técnica e a disponibilidade emocional para acompanhar a pessoa no processo.

Após a avaliação, se for o caso, proponha um objetivo e um método para trabalharem; estabeleça as condições iniciais necessárias para a realização do trabalho (por exemplo: horários, honorários).

Explique sobre a psicoterapia.

Eu gosto de apresentar como um processo de expansão e ampliação de consciência. A partir do momento que a pessoa se dá conta de onde se encontra e o que está fazendo, fica muito mais fácil fazer as mudanças que precisam ser feitas.

Uma metáfora que uso bastante é a metáfora da arrumação do guarda roupa. Tem um post lá no meu instagram sobre isso. Se você ainda não me segue por lá, vale a pena ir conferir o conteúdo.

Independentemente da pessoa retornar ou não, temos que tentar que o primeiro encontro seja por si só terapêutico. Ou seja, que tenha sido possível alguma ampliação da consciência da pessoa sobre o que está vivendo e sobre algum caminho a seguir.

Caso a demanda identificada não seja de psicoterapia OU você não tenha a competência técnica e teórica OU não tenha a disponibilidade emocional para o atendimento, você NÃO deve dar continuidade aos atendimento.

Em qualquer uma dessas situações, você deve realizar a orientação e o encaminhamento adequado.

A tomada de decisão em relação a realização da psicoterapia ou não, não depende somente de você.

A pessoa também deverá escolher se gostaria de realizar a psicoterapia com você como seu terapeuta.

Lembre-se de perguntar como ela está se sentindo durante a consulta, como está sendo falar sobre as questões dela com você e como está o seu interesse para realizar esse processo.

Caso vocês decidam pela psicoterapia, é importante realizar os acordos iniciais. Para isso, você precisa ter claro quais são as condições mínimas necessárias para a realização do trabalho. São essas condições que precisam ser apresentadas e combinadas já no primeiro encontro. Por exemplo: a frequência das sessões, os honorários.

Lembre-se: as pessoas geralmente buscam a psicoterapia buscando uma solução. Você não pode e não deve fazer promessas em relação aos resultados. Mas você pode apresentar a psicoterapia como um caminho que tem o potencial de ajudá-la na busca e construção da solução que ela precisa.

Referência sugerida para leitura:

Ênio Brito Pinto. A primeira entrevista (Capítulo 1). Coleção Gestalt Terapia, livro 3: A clínica, a relação terapêutica e o manejo em Gestalt Terapia. Organização Lilian Meyer Frazão, Karina okajima Fukumitsu. São Paulo : Summus, 2015.

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Psi. Maria Emília

Psi. Maria Emília

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Gestalt-terapia pelo Comunidade Gestáltica. Especialista em Saúde pela Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (Alta Complexidade HU/UFSC). Mestrado Profissional pela UFSC. Atua como psicóloga hospitalar e clínica.  Além de professora, preceptora de Residência e supervisora de estagiários e psicólogos já formados.​
Psi. Maria Emília

Psi. Maria Emília

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Gestalt-terapia pelo Comunidade Gestáltica. Especialista em Saúde pela Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (Alta Complexidade HU/UFSC). Mestrado Profissional pela UFSC. Atua como psicóloga hospitalar e clínica.  Além de professora, preceptora de Residência e supervisora de estagiários e psicólogos já formados.​

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