O contrato terapêutico é muito importante na psicoterapia, no entanto ele é frequentemente lembrado como uma tarefa burocrática do trabalho. Como se fosse necessário apenas apresentar as regras da terapia e o paciente concordar e/ou assinar.
Mas o contrato terapêutico é muito mais que isso.
O contrato terapêutico é um combinado entre terapeuta e paciente que garante as condições básicas para a realização da psicoterapia. Este contrato deve evidenciar os direitos e deveres tanto do profissional quanto do cliente, mas não é apenas um conjunto de regras, e sim um compartilhamento da responsabilidade para que a psicoterapia possa acontecer da melhor forma possível.
O contrato deve integrar as necessidades objetivas e subjetivas dos envolvidos e com isso demarcar a intersubjetividade necessária para o sucesso do acompanhamento. Os elementos do contrato, mesmo os mais objetivos, devem ser trabalhados a partir da sua perspectiva relacional.
O contrato determina o ponto de partida e a direção necessários para a psicoterapia acontecer e, dependendo da forma como for estabelecido, poderá contribuir para o engajamento do paciente e para o sucesso da terapia.
Quando fazer?
Embora seja comum ouvirmos para fazer o contrato já na primeira sessão, eu não recomendo essa prática.
Assim como consideramos prematuro alguém assinar um contrato de casamento no primeiro encontro, o contrato psicoterapêutico precisa de vínculo para que seja estabelecido.
Para ampliar as chances de ser efetivo, o contrato terapêutico deve ser realizado após as consultas iniciais.
Nem sempre as pessoas chegam/saem da primeira consulta realmente decididas a fazer a psicoterapia, muitas vezes elas ainda não estão prontas para assumir esse compromisso.
Por isso, sugiro que o contrato seja realizado apenas após paciente e terapeuta se conhecerem, estarem de acordo em relação a demanda e objetivos do do trabalho e realmente decididos de que a psicoterapia juntos é um bom caminho a seguir.
E independentemente de você fazer isso na primeira sessão ou após algumas consultas, o contrato deve integrar as necessidades objetivas e subjetivas tanto do terapeuta quanto do cliente. Embora no início os aspectos sejam apresentados principalmente por suas características mais objetivas, você precisa estar preparado para revisitar e manejar o contrato ao longo do processo considerando as situações de forma mais ampla e subjetiva.
Embora o contrato terapêutico deva ser estabelecido no início do processo, ele deverá ser revisto e manejado ao longo de toda a psicoterapia.
Por exemplo, uma falta não é simplesmente uma quebra do contrato, ela deve ser compreendida na sua perspectiva relacional, tanto da história de vida e aspectos relacionais do paciente quanto do que ela revela sobre a própria relação terapêutica.
Aspectos a serem considerados:
Dimensão temporal
Início e término da psicoterapia
O início da psicoterapia deve ser considerado a partir do estabelecimento do contrato.
Já o término pode ser indicado tanto pelo psicoterapeuta quanto pelo cliente. O cliente deve ser orientado no início do processo que ele tem liberdade de encerrar o tratamento a qualquer momento. Pode-se sugerir que uma sessão de fechamento seja realizada, mas fica a critério do paciente realizá-la ou não.
Duração de cada encontro
Em geral, o tempo de sessão varia entre 45 a 60 minutos para a terapia individual e 90 minutos para a terapia de casal ou familiar. Esse tempo é reconhecidamente suficiente para explorar o tema e manter o nível de energia e atenção necessários para o cumprimento do trabalho.
Ressalta-se a importância do terapeuta estabelecer algum intervalo entre as sessões, considerando tanto as possíveis intercorrências da sessão anterior quanto as necessidades do terapeuta em relação ao registro da sessão, lanche, banheiro ou telefonemas por exemplo.
Duração do tratamento
Especialmente em situação de psicoterapia breve, a previsão do tempo da psicoterapia deve ser acordado com o cliente no início do processo.
Periodicidade
A frequência das sessões pode variar. Mas recomendo que as sessões iniciais sejam com frequência semanal.
Isso auxilia a dar a sensação de segurança e estabilidade tanto do ponto de vista prático, facilitando que a psicoterapia seja incluída na rotina do paciente, como do ponto de vista emocional, para que o paciente saiba que pode contar com o terapeuta naquele dia e horário previamente determinados.
A frequência quinzenal é recomendada principalmente nos momentos em que a alta começa a ser avaliada. Não recomendo que a frequência quinzenal seja escolhida pela questão financeira do paciente, por não ter condições de pagar semanal. Nesses casos, sugiro que seja avlaiada a possiblidade de negociação do valor ou encaminhamento para outro profissional.
A frequência quinzenal no início pode prejudicar o engajamento, já que o paciente ao buscar a psicoterapia está ansiando por alguma mudança ou melhora e o espaçamento prolongado contribui para a psicoterapia ficar em segundo plano e os resultados demoram mais a aparecer.
Interrupções e férias
Importante abordar com antecedência essas questões e definir como funcionará, especialmente a remuneração.
Dimensão espacial
Local e suas características
O consultório deve ser o local privilegiado para as interações entre terapeuta e paciente acontecerem. O local deve garantir o sigilo e o acolhimento/conforto do paciente.
No caso dos atendimentos online, deve-se orientar o paciente quanto a escolha do local em que fará a consulta e como organizá-lo para que se sinta confortável e seguro.
Dimensão relacional
Funcionamento do processo psicoterapêutico
Deve-se especificar os aspectos gerais da abordagem, não em termos teóricos, mas principalmente práticos. Deve-se dizer o que se espera do paciente e o que ele pode esperar do psicoterapeuta. Por exemplo, no caso da Gestalt-terapia, recomendo reforçar a psicoterapia como um espaço de troca e interdependência em que o cliente poderá escolher o que, como e quando falar e que o terapeuta irá ouvir e fará as pontuações necessárias na tentativa de ampliar a compreensão da pessoa acerca da sua vivência e das demais possibilidades existentes.
Sigilo
É importante demarcar a questão do sigilo e também das situações em que a quebra de sigilo pode acontecer (sinais de risco para o próprio paciente ou para outros). Recomendo pegar algum contato de emergência tanto para esse tipo de situação quanto para qualquer outra eventualidade, destacando que o paciente sempre será informado caso seja necessário realizar a quebra do sigilo ou o contato com outra pessoa.
Valor dos honorários
O estabelecimento dos valores e negociação, se for o caso deve ser considerado tanto a partir do valor simbólico associado ao dinheiro (exemplo: relação de troca, de poder) quanto do valor da hora de trabalho do profissional. Sugiro ter claro o seu valor e também o mínimo que pode chegar sem que isso comprometa seu nível de investimento no trabalho. Dificuldades em estabelecer o valor podem estar associadas à dificuldade de valorização do próprio trabalho e da percepção de merecimento do profissional.
Forma de pagamento e sua periodicidade
É comum que o pagamento seja realizado de forma mensal, justamente considerando o caráter processual da psicoterapia. Mas o terapeuta tem liberdade para escolher e negociar com o paciente a forma que melhor lhe convier.
Nos atendimentos online, assim como nos demais serviços online os pagamentos costumam ser realizados antecipadamente.
Reajustes
É comum que os reajustes sejam feitos de forma anual e o paciente deve ser informado a priori qual será o critério utilizado para isso.
Atrasos, remarcações e faltas
Deve-se reforçar a importância da presença para o progresso da psicoterapia. As sessões não devem ser consideradas de forma avulsa e sim como parte de um processo global.
Em relação aos atrasos o mais comum é que o atraso do paciente seja descontado do tempo da sessão.
Deve-se deixar claro quais os critérios para desmarcações e faltas, especialmente em relação aos honorários.
Embora seja uma prática relativamente comum cobrar as sessões em que o paciente falta sem avisar, isso pode gerar confusões e maus-entendidos. Quanto mais direto isso for abordado inicialmente, melhor.
As faltas, assim como os atrasos tanto nas sessões quanto nos pagamentos devem ser observados pela perspectiva relacional. E podem ser discutidos com o paciente sobre seus possíveis significados.
Verbal ou escrito?
O contrato é obrigatório, mas a forma pode ser escolhida de acordo com a preferência do profissional.
Sugiro partir sempre do princípio da confiança, independentemente da forma escolhida. Deve-se estabelecer de forma clara as condições do terapeuta e é necessário que haja espaço para que o paciente se expresse livremente.
O contrato deve ser realizado em comum acordo, isso ajuda tanto no ajuste de expectativas quanto estabelece os parâmetros para futuro manejo e avaliação.
Lembre-se que um contrato bem feito contribui para a adesão e sucesso do tratamento.
Sugestão de leitura
Setting e contrato terapêutico – Silverio Lucio Karwowski – capítulo 2
Coleção Gestalt Terapia – Livro 3 – A clínica, a relação terapêutica e o manejo em Gestalt Terapia