Escolher uma teoria, é escolher uma lente para interpretar o mundo. É a teoria que auxilia a compreender a vivência e a nortear a prática.
A teoria organiza o conhecimento acerca daquilo que é comum ao ser humano. É a visão de homem e de mundo do terapeuta que vai nortear a sua intervenção clínica.
Mas o processo de psicoterapia precisa ir além da teoria, ao longo dos encontros é necessário explorar e trabalhar com aquilo que é singular na vivência da pessoa atendida.
Como escolher?
Todas as abordagens teóricas tem a intenção de ajudar as pessoas a se sentirem melhores com elas mesmas, com os outros e com as suas circunstâncias.
Mas cada uma terá um entendimento diferente acerca dos conceitos de saúde e doença e cada uma delimita uma prioridade para o processo psicoterapêutico.
Para iniciar a prática, é importante ter clareza do objetivo primeiro da terapia. O que se busca ali?
Você precisa escolher uma para compreender o que está acontecendo com a pessoa e as suas intervenções precisam ser coerentes com isso.
Existem muitas abordagens, impossível conhecer todas o suficiente.
Por onde comecar?
Você não precisa dar um peso maior para essa escolha do que ela realmente tem. Não precisa ter certeza para começar. Só comece a aprofundar um pouco seu conhecimento.
Para escolher é importante partir de algo que faça sentido e seja coerente com sua forma de ver a vida e o homem.
Lembre-se de não depender somente do que é oferecido, apresentado na faculdade. Alguns cursos de Psicologia privilegiam algumas abordagens em detrimento de outras.
Siga esses passos:
- Tente se lembrar qual abordagem que você ouviu um pouco sobre e te deu vontade de saber mais. A partir daí, busque mais informações a respeito. Pesquise!
- Caso ainda não tenha ouvido nenhuma que te dê mais curiosidade de saber mais, escolha um tema e busque artigos sobre esse tema em diferentes abordagens. Por exemplo: Transtornos alimentares + gestalt ou +psicanálise + TCC, etc.
- Busque também conhecimento além das disciplinas obrigatórias. Existem matérias optativas e também muitos cursos extra-curriculares disponíveis.
- Frequente congressos.
- Busque informações na Internet, existem muitos grupos de WhatsApp, Telegram, canais de Youtube, perfis e lives do Instagram, cursos gratuitos. Além é claro dos artigos científicos e livros.
- Converse com seus colegas da faculdade, busque grupos de discussão em Psicologia, fale com seus professores ou psicólogos já formados.
- Faça psicoterapia. Escolha uma das abordagens que te pareceu mais interessante e inicie a terapia. Não é possível se formar e começar a atender sem nunca ter feito terapia.
- Faça estágios variados durante a graduação. E fique atento a abordagem teórica dos professores supervisores, para além da escolha do campo de atuação. Nossos relacionamentos e experiências práticas e vivenciais podem ajudar muito nesse processo de escolha.
Caso você já não tenha mais a oportunidade de realizar estágios, ou os que fez não foram suficientes para decidir. Você terá que pesquisar mais.
Mas eu já me formei, e agora?
Volte aos tópicos anteriores. O único que não se aplica a você é o item sobre os estágios.
Escolha uma abordagem para começar e siga em frente.
Comece a atender
Lembre-se que é importante escolher uma abordagem para começar, especialmente para nortear seus estudos e a sua prática.
Imagine que seu primeiro paciente chega para você com uma demanda de ansiedade. Qual a sua compreensão teórica sobre ansiedade? O que você sabe sobre esse tipo de caso? Por onde você vai começar?
Você precisa escolher uma abordagem, pois a partir daí fica mais fácil jogar no Google e ler algum artigo e material a respeito.
O que não dá é para ler uma técnica da TCC, outra que fala sobre o inconsciente na psicanálise e outra sobre a dinâmica sistêmica e familiar e querer aplicar tudo junto no mesmo atendimento sem nenhuma supervisão.
A supervisão, juntamente com o estudo, a prática e a terapia são essenciais para o aprimoramento profissional do psicólogo.
Não negligencie nenhum desses pontos.
Por que é tão difícil escolher?
Se você realmente ainda não tem uma abordagem preferida que norteie a sua prática, busque supervisão e leve esse tema (dificuldade de fazer a escolha) para o seu processo de terapia pessoal.
Muitas vezes, a dificuldade de escolher pode estar relacionada com o desconhecimento. Mas se você já seguiu as sugestões apresentadas, você já conhece um pouco de cada abordagem para fazer sua primeira escolha.
Outro ponto que pode dificultar o processo é você estar em busca de uma garantia ou uma certeza de qual é a melhor. Além disso, você pode estar dividido entre duas ou mais abordagens preferidas e não querendo abrir mão do que mais gosta em cada uma delas.
Lembre-se: todas as abordagens terão potências e limites. E fique tranquilo: essa escolha não precisa ser para a vida toda, ela poderá ser alterada a qualquer momento.
Então agora vou dar algumas dicas em relação a esses pontos.
Qual é a melhor?
Não conheço todas para opinar e sei que não existe nenhum estudo que responda cientificamente essa pergunta.
Por isso, acho que a resposta para essa pergunta depende das respostas das seguintes perguntas:
Para quê? Para quem? Em qual momento da vida?
Embora não seja possível definir uma abordagem melhor que todas as outras, entendo que existe uma que é melhor para cada terapeuta e para cada paciente em um determinado momento das suas vidas.
Para te ajudar a responder qual é a melhor para você, sugiro que você analise suas características pessoais, sua visão pessoal do mundo e busque uma abordagem que esteja alinhada com isso.
Qual é a sua?
Para mim, é a Gestalt-terapia. Foi a partir dela que consegui compreender melhor as situações, as dinâmicas pessoais e relacionais. Consegui ver um bom efeito dela em mim (pela minha experiência enquanto paciente) e conseguir ver um bom efeito nela nos pacientes (tanto na época do estágio quanto após formada).
Mas acredito que essa escolha se deu pelas relações que estabeleci, pelos professores que tive, pela forma como essa e as demais abordagens me foram apresentadas. Não por ela ser a melhor de todas.
É possível mesclar teoria e técnicas de diferentes abordagens?
Inicialmente e via de regra, a resposta é não.
Mas na prática, para responder seria necessário avaliar e entender de que forma seria feita essa mesclagem. Isso porque existem abordagens que vem de uma mesma fonte, que foram criadas a partir pressupostos comuns, então alguns pontos podem ser coerentes e aplicados em um mesmo processo terapêutico.
Por exemplo, a Gestalt é uma abordagem teórica com base humanista, fenomenológica, existencial. Então existem pontos convergentes com outras abordagens que também tem como base essa fundamentação teórica.
Mas lembre-se de que é importante manter um postura ética e ter domínio e coerência nas técnicas utilizadas.
A abordagem teórica será o fio condutor de todo o seu trabalho, mas no decorrer do trabalho você poderá utilizar todo o conhecimento e repertório que tiver disponível.
Ou seja, você pode utilizar algumas referências de outras abordagens, mas é preciso cautela para que a aplicação seja coerente com o escopo da sua abordagem teórica.
Antes de intervir tenha clareza do seu objetivo com determinada intervenção e só utilize técnicas que tenha domínio suficiente para executar.
Não fique sozinho.
Um grupo ajuda a fortalecer o indivíduo.
Confie no poder das relações, das atualizações, da possibilidade de desenvolvimento e crescimento.
- Busque colegas de profissão para discutir os casos que estão atendendo.
Só tenha cuidado para não se fechar em um grupo e restringir a sua percepção do todo. Ou ser daqueles profissionais que desvaloriza as demais opiniões e teorias só por serem diferentes da sua.
Faça psicoterapia. Lembre-se que você é seu principal instrumento de trabalho. Você precisa buscar o seu próprio desenvolvimento para ser capaz de ajudar outras pessoas nessa jornada.
Faça supervisão. Esse é um envestimento importante na sua carreira. A maioria das especializações em Psicologia Clínica tem a supervisão incluída no processo de treinamento.
Mas caso, você não tenha condições de iniciar uma pós-graduação no momento, busque supervisão individual. É um investimento que ajudará você a aprimorar seu conhecimento e sua técnica, a se sentir mais seguro e a desenvolver um trabalho de mais qualidade.
E para concluir, deixo a frase do Carl Jung:
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.
Assista o vídeo no Youtube: